sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Algumas considerações sobre o paradigma indiciário de Ginzburg


Então, amiguinhos (as), estão surpresos? Realmente, não se trata de uma resenha de um show ou uma entrevista de alguma banda de rock. Na verdade, esse texto que escrevi é parte dos estudos que fiz para concorrer a seleção de mestrado em História da UFCG. Se por acaso esqueci de mencionar em algum momento que sou graduado em História e louco de paixão pela minha área, estejam avisados. Por isso, se tem espaço aqui pra bebedeiras, devaneios e outras coisas sem muito comprometimento, também haveria de ter para maiores reflexões. No caso, parto das considerações tecidas por esse senhor italiano de grossas sobrancelhas e ar sério, para tentar falar sobre um saber que acompanha os homens desde os tempos mais remotos:

No texto Sinais: raízes de um paradigma indiciário (1989), o historiador italiano Carlo Ginzburg discorre sobre a construção de um paradigma, no âmbito das Ciências Humanas, a partir do século XIX, que pode sugerir novas possibilidades teóricas e metodológicas diante da polarização entre racionalismo e irracionalismo, ou seja, mimeses e anti-mimeses nas ciências humanas.

A partir de artigos de Ivan Lermolieff (pseudônimo do crítico italiano de arte Giovanni Morelli) publicados em uma revista alemã, por volta de 1874 a 1876, Ginzburg atenta para as propostas metodológicas de analise das pinturas aconselhadas por Morelli, que despertaram vários debates e estabeleceram critérios seguros para se distinguir entre uma obra original e uma cópia falsificada dos quadros dos mestres da pintura italiana.

O método de Morelli para se distinguir originais e cópias, partia do pressuposto de que “é preciso não se basear, como normalmente se faz, em características mais vistosas, portanto mais facilmente imitáveis dos quadros” (p. 144), mas atentar para indícios, “os pormenores mais negligenciáveis e menos influenciados pelas características da escola a que o pintor pertencia” (p. 144). Na época, O método de Morelli auxiliou a nomear várias obras de mestres da pintura européia não assinadas e a uma catalogação mais precisa dessas obras, porém, foi, posteriormente, bastante criticado nos círculos de arte pela forma determinista que aparentava para alguns. Ginzburg, apesar de também ver que o método de Morelli traduz uma postura moderna em relação à arte, busca por implicações mais profundas, de ordem filológica, encontradas no método morelliano.

Nesse sentido, partindo das considerações de Wind sobre as semelhanças entre o método indiciário de Morelli e a postura detetivesca do personagem de romances policiais Sherlock Holmes, criado pelo inglês Arthur Conan Doyle, Ginzburg considera que “o conhecedor de arte é comparável ao detetive que descobre o autor do crime (do quadro) baseado em indícios imperceptíveis para a maioria” (p. 145). Ainda seguindo os rastros do raciocínio de Wind, Ginzburg chega ao terceiro autor que completaria a tríade responsável por uma sofisticação intelectual de um paradigma que encontra suas origens em períodos mais remotos que a do fim do século XIX: trata-se do pai da psicanálise Freud.

Para Ginzburg, Freud foi influenciado “numa fase muito anterior a descoberta da psicanálise” (p. 148) pelo método morelliano, através da leitura de seus textos sobre arte italiana, se apropriando desse método para desenvolver o gosto pela analise interpretativa de resíduos, aspectos periféricos, porém reveladores das personalidades. “Desse modo, pormenores normalmente considerados sem importância, ou até triviais ‘baixos’, forneciam a chave para aceder aos produtos mais elevados do espírito” (p. 150).

Nesse caso, o eixo que interliga a tríade Morelli, Holmes e Freud é a assertiva de que as possibilidades de elucidação em torno de uma problemática são ampliadas na medida em que o investigador seja da arte, da criminologia ou psique, esteja atento para sinais ou pistas que são deixadas pelo seu objeto: “pistas: mais precisamente sintomas (no caso de Freud), indícios (no caso de Holmes) e signos pictóricos (no caso de Morelli)” (p. 150). Dentro desse prisma, existia uma relação mais reveladora da afinidade entre três intelectuais que atuaram em esferas do saber diferentes: apesar de se destacarem no âmbito da história da arte (Morelli), da psicanálise (Freud) e literatura (Conan Doyle), os três autores tiveram em comum a graduação em cursos de Medicina. Nesse sentido, o paradigma indiciário nada é mais que uma extensão do “modelo da semiótica médica: a disciplina que permite diagnosticar as doenças inacessíveis à observação direta na base de sintomas superficiais, às vezes irrelevantes aos olhos do leigo” (p. 151).

Porém, para Ginzburg, apesar do paradigma indiciário nas ciências humanas ter sido gestado a partir do método semiótico aplicada nos pacientes pelos médicos, que buscam precisão no veredicto sobre a saúde do paciente a partir dos sintomas apresentados pelo mesmo, o método indiciário acompanha os homens desde os tempos mais imemoriais da história, ou seja, desde quando o homem “aprendeu a reconstruir as formas e movimentos das presas invisíveis pelas pegadas na lama, ramos quebrados, bolotas de esterco, tufos de pêlos, plumas emaranhadas, odores estagnados. Aprendeu a farejar, registrar, interpretar e classificar pistas infinitesimais” (p. 151).

Historicizando essa prática do saber cognoscitivo, Ginzburg chega até o contexto em que a escrita foi inventada, na Mesopotâmia, quando a necessidade de se transmitirem saberes ganhou dimensões materiais. É nesse sentido que existe uma ponte entre o pensamento antigo e o moderno, na medida em que é detectado em contextos sociais e históricos tão distantes “uma atitude orientada para a analise de casos individuais, reconstruíveis somente através de pistas, sintomas, indícios” (p. 154). .

Discutindo também a arte indiciária no contexto da Grécia antiga, o autor atenta para a transformação significativa, que desembocará em uma maior sofisticação, dessa forma de pensamento, na medida em que, na Grécia, “o corpo, a linguagem e a história dos homens foram submetidos pela primeira vez a uma investigação sem preconceitos, que por principio excluía a intervenção divina” (p. 155).

O saber conjetural, exercido por vários segmentos sociais, que o aplicavam para solucionar os problemas cotidianos e exercerem ofícios específicos, levam Ginzburg a discutir o lugar ocupado pelo historiador no âmbito da ciência moderna, a partir de Galileu. Para o autor, a atitude cognoscitiva do historiador é individualizante, diferente do método epistemológico generalizante, das ciências naturais, apresentando semelhanças com a postura do médico diante do paciente que “utiliza os quadros nosográficos para analisar o mal especifico de cada doente. E, como o do médico, o conhecimento histórico é indireto, indiciário, conjetural” (p.157).

As tentativas de se equiparar às ciências humanas as naturais, são palco para diversas crises de ordem filológicas. Ginzburg também atenta para a questão de que o saber individualizante foi quase sempre aplicado de forma antropocêntrica e etnocêntrica quando destinado a sistematizar o controle social na aurora das sociedades tecnocráticas. É nesse contexto, a partir do século XVIII, que ocorre uma apropriação dos saberes populares por parte da burguesia, desembocando em um processo de aculturação, cujo maior símbolo é a Enciclopédia de Diderot e D´Alembert.

Comparando a forma que o paradigma indiciário adquire na modernidade com a forma de um tapete, cujos fios epistemológicos entrecruzam-se formando figuras interligando o antigo e o moderno que constroem essa aparência mórfica para o saber indiciário, Ginzburg começa a “desfiar” esse tapete, pois “uma coisa é analisar pegadas, astros, fezes (...), catarros, córneas, pulsações, campos de neve ou cinzas de cigarro. Outra é analisar escritas, pinturas ou discursos” (p. 171). A partir daí, Ginzburg recorre a diversos conceitos cunhados por Marx para pensar os modos que o saber individualizante foram usados pela ordem dominante, durante a consolidação do capitalismo industrial, para dar inicio a “criminalização da luta de classes”, colocando em prática um “projeto geral, mais ou menos consciente, de controle generalizado e sutil sobre a sociedade” (p. 173).

Assim, nesse contexto, surgem os métodos policiais dedutivos como a elaboração dos retratos falados, e os de identificação individualizante, como a analise das impressões digitais que sintetizam o intuito coercitivo desse projeto, justificado por um discurso científico, pois, durante o colonialismo, “nas colônias britânicas, e não somente na Índia: os nativos eram analfabetos, litigiosos, astutos, mentirosos e, aos olhos de um europeu, todos iguais entre si” (p. 176). Ginzburg procura assim, partindo de exemplos históricos, evidenciar o caráter etnocêntrico com que o saber indiciário foi institucionalizado e exercido pela ordem burguesa.

Finalizando suas reflexões com uma indagação sobre a flexibilidade do paradigma indiciário, Ginzburg considera que o saber indiciário é volúvel, tendo de adaptar-se a cada circunstância em que é aplicado, seja na analise morelliana da arte, nas elucidações detetivescas de Holmes, na interpretação analítica da psique de Freud, durante a consolidação da ordem burguesa ou no gesto do caçador que quer encontrar sua presa seguindo suas pegadas em uma floresta. Assim, a intuição indiciária “une estreitamente o animal homem as outras espécies animais” (p. 179).

Referência:

GINZBURG, Carlo. Sinais: raízes de um paradigma indiciário. In: Mitos, Emblemas, Sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. (p. 143-80).

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Divagando

Bom, o negócio está russo, ou talvez até tchecolosváquio. Fim da graduação. Mal posso esperar para pegar meu certificado de desempregado. Hoje pela manhã fui a faculdade entregar as 3 vias da monografia para que a coordenação agendasse a data de defesa, provavelmente entre 21 e 30 de novembro.
Fora a preocupação em fazer uma boa defesa (arrivismo e exclusão social: representações da modernidade brasileira na escrita de Lima Barreto), também me absorvem os estudos para a seleção do mestrado em História que será agora, no fim do mês... pessoal, tá pensando que é fácil é? Nem só de porres em show de rock se vive. Já diria o barretiano Carlos Almeida: "nem tudo na vida é orgasmo". Depois de uma dessa, durma-se em paz... quem quiser viver de aulas pra fedelhos impertinentes, de raciocínio duvidoso e de pouca desenvoltura existencial, boa sorte A minha experiência de dois bimestres nessa rotina foi suficiente para que eu deixasse de lado grandes ideais redentores e humanistas em relação a educação. Continuem lendo a pedagogia do oprimido que vocês vão longe, quem sabe até sejam homenageados pelo PCdoB, porque, na sala de aula, o único oprimido fui eu.

No mais, as dores do mundo, as quais Shopenhauer já dedicou uma verdadeira épura filósofica, já não são tão absurdas para mim. Basta se estar ao lado de uma mulher que escreve 3 posts consecutivos, um sobre Certeau, outro sobre Ginzburg e mais um poema de Fernando Pessoa que as coisas começam a ter algum sentido. Se nenhuma ilha é uma ilha, e nenhuma história é a História, creio que todo oceano também é apenas uma partícula de um todo. e estou me sentindo como uma espécie de todo, banhando por um oceano de novas e inspiradoras tsunamis.

acho que fico por aqui. Não sei mais o que escrever. Talvez monte até uma banda cover do Ramones, para deslocar meu nada fixo eu a um ambiente mais inusitado do que os dos eventos acadêmicos ou festinhas cívicas como as dos colégios. Talvez também já tenha encontrado mais 3 deficientes pra montarmos uma banda e tudo aquilo que sempre sonhei na adolescência, vire realidade.

adios, amigos!

P.s.: não estou ganhando nada com isso, mas leiam a re-edição que saiu pela editora Devir da revista em quadrinhos Chiclete com Banana, do Angeli. Umas das poucas que tenho lido que me fazem acreditar ainda no potencial do Brasil.