segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

o uivo de Allen Ginsberg


Final de férias... em breve, começarei a correria do mestrado há muito tempo desejada. No mais, aproveitei para ler um livro de bolso publicado pela LP&M chamado Uivo e outros poemas (2006) do célebre poeta beatnik Allen Ginsberg. Gostaria de dizer que tive a impressão de entrar em um túnel do tempo quando comecei a ler os poemas lisérgicos e agressivos de Ginsberg, tendo a sensação de estar em algum bar escuro e fedorento de um bairro pobre dos Estados Unidos do fim da década de 50, vendo uma multidão de barbudos escrevendo poemas em meio a goles de vinho e debates existencialistas. Percursor de um estilo de vida que mais tarde iria caracterizar os adeptos da contracultura nos anos 60, Ginsberg antecipou diversos temas que apareceram nas bandeiras de luta da geração de woodstock, como amor livre, orientalismo, anarquismo romântico, desengajamento em massa, etc. tornando-se um dos idealizadores do estilo típico dos hippies.

Além do Uivo de Ginsberg, são considerados marcos literários da geração beat Almoço nú (Naked lunch) de William Burroughs e On the ROads de Jack Kerouac. Marcado por um estilo de escrita polêmica, onde temas políticos, eróticos e filosóficos se mesclam dentro de uma cadência vertiginosa, a escrita beat é, antes de tudo, uma mostra de insatisfação com os valores conservadores de uma sociedade demasiadamente castradora e conservadora como a norte-americana e com as concepções do que seja considerada alta literatura, esta construida sob a égide de uma elite intelectual inserida nos círculos de poder da época, dando espaço para uma espécie de literatura experimental.
Segundo Claúdio Willer, tradutor dos poemas de Ginsberg, a dedicatória do poema
Uivo a Carl Solomon já é em sí, emblemática, pois:

"Ginsberg o conheceu no Instituto Psiquiátrico de Columbia, onde esteve internado durante oito meses em 1948 e 49. Este internamento foi para evitar sua prisão , por sugestão dos advogados da UNiversidade de Columbia, onde terminava uma carreira acadêmica das mais tumultuadas. Isto, como consequência de um desastrado incidente quando GInsberg foi flagrado, num carro roubado, em companhia de Hebert Huncke (também personagem do Uivo, assim como de Junkie de W. Burroughs, traficante entre outras atividades, inventor da expressão beat, logo adotado por Kerouac com um duplo sentido, I´m beat(como estou derrubado e a batida do jazz) e mais dois deliquentes que abrigava em seu apartamento no Harlem." (WILLER. in: GINSBERG, 2006, p. 13)

E assim tem inicio do poema Uivo:

"Eu ví os expoentes de minha geração destruídos pela loucura,
morrendo de fome, histéricos, nús,
arrastando-se pelas ruas do bairro negro de madrugada
em busca de uma dose violenta de qualquer coisa.
hipsters com cabeça de anjo ansiando pelo antigo contato
celestial com o dínamo estrelado na maquinaria
da noite,
que pobres, esfarrapados e olheiras fundas, viajaram fumando
sentados na sobrenatural escuridão dos miseráveis apartamentos
sem água quente, flutuando sobre os tetos da cidade
contemplando jazz" (...). GINSBERG, 2006, p. 25

Díficil ter de retirar apenas um pequeno trecho desse raio x de todo um contexto histórico para citar aqui. Apenas espero que os possíveis leitores desse blog, supondo que existam, busquem conhecer por sí mesmos, o legado do poeta aqui mencionado. Creio que existe, no mínimo, alguma espécie de dívida intelectual por parte daqueles que se consideram contestadores e críticos com aqueles que em tempos mais rígidos e remotos, tiveram a coragem de declarar publicamente sua loucura, safadeza, ódio, insastifação, ideais e utopias, para que, sofrendo na própria pele as rotinas da opressão social, conseguissem realizar a complicada simbiose entre arte e vida.



domingo, 3 de fevereiro de 2008

O albergue 2: a apologia da tortura







bom, continuando na minha onda de crítico de cinema, vou falar um pouco sobre as impressões que tive ao assistir a sequência do aclamado (ao menos no âmbito dos filmes de terror) O Albergue, apresentado pelo Quentin Tarantino e dirirgido pelo Eli Roth.




O Albergue 2 continua seguindo, basicamente, a mesma fórmula do primeiro, expondo jovens mochileiros, de boa aparência, em busca de territórios exóticos para explorar, de sexo e, porque não, até de cultura. o diferencial é que não são mais 3 caras norte-americanos que são se hospedam em um albergue acolhedor e depois são sequestrados e tornam-se vítimas dos momentos de terror na velha fábrica abandonada localizada em alguma cidade do gelado leste europeu. Dessa vez, 3 mulheres da terra do tio sam é que são atraídas por uma modelo para passarem uma temporada no famigerado recinto.



Essa versão, particularmente, me deixou mais chocado que a primeira. Talvez seja a mescla de um acompanhamento mais detalhado do psicológico tanto dos torturadores, que são ricaços entediados e frustrados que escolhem suas vítimas através da foto do passaport, enviada pelo recepcionista do albergue on line em um leilão restrito aos membros de uma sociedade secreta (Elite Hunting) que camufla suas atividades controlando uma ampla trama de poder e se passando por um clube de caçadores, com cenas de tortura e atrocidades cruelmente mais requintadas. banho de sangue, canibalismo, esquartejamento, decaptações, etc. entram no rol de atrocidades que aparecem no longa.



Mas o que eu gostaria de ressaltar mesmo é que Eli Roth tentou se superar mesmo, pra começar contando com a participação especial e ajuda do italiano Ruggero Deodato, o diretor do clássico trash, que virou cult, chamado Cannibal Holocaust lançado nos anos 70. Ruggero aparece em uma das celas da velha fábrica, comendo pedacinhos da perna do ator Stanislav Ianevski enquanto o rapaz, imobilizado, agoniza e também, colocando nos extras, um documentário sobre a historicidade da tortura conduzido pelo curador do museu da tortura da Itália. Nesse sentido, vale a pena refletir junto com a fala do diretor que questiona até onde o filme choca por tratar-se de um filme que representa a tortura, quando na verdade, convivemos no cotidiano com práticas de tortura institucionalizadas e aceitas socialmente por estarem direcionadas a minorias e segmentos políticos marginalizados, como as que acontecem na prisão americana situada em Cuba, onde presos são submetidos a tortura para confessarem os crimes de que são acusados... princípio que prevalecia também nos interrogatórios da inquisição da Idade Média.



Abu Ghraib: tortura contra presos políticos dos Estados Unidos

O albergue 2: uma incursão as frustrações e paranóias

de uma sociedade em crise.